Por: Carolinne Macedo
A infância é um terreno fértil para a imaginação, mas, quando invadida por telas incessantes e distrações digitais, pode se tornar um deserto silencioso. Em “Inversão”, o diretor e roteirista Túlio de Melo nos entrega uma crítica poderosa ao vicio contemporâneo em smartphones e jogos eletrônicos. É ficção, sim, mas de uma realidade que muitos fingem não ver. Com câmera na mão e uma estética que flerta com o documental, Túlio mergulha no cotidiano de crianças conectadas demais e desconectadas de si, dos outros, do mundo ao redor. Os planos fechados e close-ups nos forçam a encarar, sem escapatória, a angústia de rostinhos vidrados, crianças que já não brincam, mas consomem.
A escolha pelas cenas em uma sala de aula, esse espaço comum e familiar, dá ainda mais potência ao curta. Não há artifícios ou cenários fantasiosos: o ordinário aqui se revela extraordinário. Os movimentos de câmera em plongée e contra-plongée ampliam a sensação de distorção da lógica, da infância, das relações humanas. E se o espectador ainda não estiver impactado suficiente, a voz em off de uma criança conduz uma reflexão pungente sobre como a tecnologia se infiltra sutilmente e se torna parte de nós, de forma quase orgânica, como se nunca tivesse sido convidada. As legendas descritivas também são um acerto, oferecendo acessibilidade completude à experiência.
O elenco infantil está muito bem, o que só evidencia o talento da direção em extrair o melhor de jovens atores e atrizes locais. O curta é infantojuvenil, mas carrega certa maturidade. É urgente que pais e responsáveis o assistam. Túlio de Melo, mais uma vez, entrega uma obra que provoca, inquieta e cutuca feridas abertas com o dedo da sensibilidade. “Inversão” é, acima de tudo, um espelho e não aquele dos filtros de selfie. Em tempos em que o excesso de telas molda comportamentos e afeta diretamente o desenvolvimento emocional, cognitivo e social das crianças, o curta nos lembra da importância de estabelecer limites, reconectar afetos e devolver à infância o que dela foi roubado o tempo, ο toque, o olhar.
